Já está em vigor, desde ontem, em sua totalidade, a Medida Provisória 664, de 30 de dezembro de 2014, responsável por uma “Minirreforma Previdenciária” que representa um dos maiores retrocessos em direitos previdenciários já vistos, restringindo o acesso dos dependentes do segurado ao benefício previdenciário da pensão por morte.
Quem requerer o benefício, a partir de agora, deverá comprovar que o instituidor da pensão contribuiu com a previdência por pelo menos 24 meses, sem falar que, pela nova regra, a (o) esposa (o) ou companheira (o) deverá demonstrar também que a união ou casamento existia há pelo menos 2 anos antes do óbito. Cabe destacar que, pela regra anterior, não existia a exigência de nenhum desses requisitos.
Na vida, temos a certeza de que iremos morrer, porém o evento morte é completamente imprevisível e não está sob nosso controle. Portanto, é claro que nenhum segurado sabe a data em que vai falecer, o que, acredito, é um dos grandes mistérios da vida (eu não teria a mínima curiosidade de saber a data da minha morte, mesmo se houvesse jeito).
A nova legislação previdenciária, de forma subliminar, sugere ao cidadão não morrer antes de ter feito 24 contribuições previdenciárias, pois, caso ele faleça sem ter contribuído o tempo mínimo, seus dependentes não irão receber nada da Previdência Social, mesmo se o falecido tiver contribuído, por exemplo, 23 dos 24 meses exigidos.
De forma irônica, mas sem deixar de transmitir a realidade, a crítica que faço é que o segurado que ainda não tenha completado as 24 contribuições aguarde, agende-se ou se programe para falecer. É isso aí! Programe-se para o seu evento morte e avise seus dependentes. É claro se isso estiver ao seu alcance. Tá assustado? Deveria mesmo! Mas se acalme, pois o absurdo da nova legislação não para por aí.
Com relação à quota parte do benefício, a partir de agora o benefício deixa de ser integral e despenca para o percentual de 50% acrescidos de 10% para cada dependente, limitados a 100%.
Efetivamente, o que isso quer dizer? Significa que a esposa ou companheira que teria, pelas regras anteriores, o direito de receber R$ 3.000,00, por exemplo, irá receber, pelas novas regras, R$ 1.800,00, o que corresponde a 50% mais 10% por se enquadrar também como dependente. Isso significa mensalmente uma perda de R$ 1.200,00 e, no ano, uma perda de R$ 15.600,00, incluindo o décimo terceiro.
Outra mudança é que, a partir de agora, a pensão por morte deixa de ser vitalícia e torna-se por tempo determinado, passando a depender da idade do (a) esposo (a) ou companheiro (a) à época do falecimento do (a) instituidor (a) da pensão. Somente terá direito à pensão por morte de caráter vitalício quem tiver mais de 44 (quarenta e quatro) anos, pois quem estiver abaixo dessa idade irá se enquadrar numa tabela, e o benefício será temporário, de acordo com a expectativa de sobrevida.
Quando a Medida foi anunciada, no final de dezembro passado, o governo justificou que ela viria apenas para corrigir algumas distorções do sistema previdenciário brasileiro que já existiam há anos. Se, na visão do governo, tais distorções realmente existiam há muito tempo e necessitavam de ajustes, acredito que a escolha do instrumento da Medida Provisória para viabilizar de imediato as mudanças não foi a via mais correta para tratar o tema. Ademais, o governo se utilizar do período festivo entre o Natal e o Réveillon para fazer tamanha supressão nos direitos previdenciários é semelhante a bater em uma pessoa tonta e completamente incapaz de se defender.
A legislação previdenciária é extremamente complexa, e suas mudanças não devem ocorrer de forma sumária sem que haja primeiramente um projeto de lei amplamente discutido no Congresso Nacional com a participação das entidades interessadas e de representantes das centrais sindicais.
Queria muito estar aqui escrevendo que a Medida Provisória 664 veio para ampliar os direitos sociais e a proteção previdenciária do segurado e de seus dependentes, mas tenho que ser realista e informar que a referida medida significa inúmeros passos para trás no que tange a direitos sociais que foram arduamente conquistados nos últimos anos.
Fazendo uma lavagem cerebral na população, o governo vem se utilizando de um argumento sensacionalista como forma de sustentar e justificar a edição da Medida Provisória para acabar de uma vez por todas com a chamada “Pensão Brotinho” – aquela em que pessoas jovens se casam com pessoas idosas e (ou) acometidas por doenças terminais, objetivando a pensão – o que, segundo o governo, gera anualmente um rombo enorme para os cofres da Previdência Social.
Casos como o da “Pensão Brotinho” devem ser analisados de forma isolada, como uma exceção e não como regra da pensão por morte. Além disso, esse tal “rombo previdenciário” de que tanto falam na verdade não existe, pois a Previdência Social não dispõe de orçamento. A Previdência Social, juntamente com a Saúde e a Assistência Social, integram a Seguridade Social. Esta última, conforme preveem os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, é que é a detentora de todo o orçamento, inclusive do superávit.
No âmbito jurídico, é nítido que a Medida Provisória 664 viola a Constituição Federal em inúmeros pontos. Por essa razão, a (COBAP) Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos, representada por Guilherme Portanova, um dos mais competentes advogados previdenciaristas do país, entrou recentemente no STF com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) para que a Suprema Corte declare a referida medida inconstitucional, bem como a suspensão dos seus efeitos.
A comunidade jurídica previdenciária, por meio do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), um dos mais respeitados institutos de pesquisa científica previdenciária, também se posicionou de forma contrária às mudanças trazidas pela Medida Provisória 664, tendo em vista a clara violação do artigo 62 da Constituição Federal.
O fato é que, impondo aos dependentes requisitos inconstitucionais, o governo utilizou-se do argumento “corrigir distorções” e realizou, na verdade, um retrocesso em relação aos direitos sociais, extinguindo, praticamente, a pensão por morte e o acesso a esse benefício previdenciário que é assegurado pela Constituição Federal.
Sou um defensor ferrenho de que sempre vale a pena contribuir para a previdência pública, seja objetivando a percepção de um benefício programado, seja na perspectiva dos benefícios de riscos e improgramáveis, como é o caso da pensão por morte.
Não acredito que a Medida Provisória 664 deva prosperar e ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, tendo em vista o atual cenário econômico e político do país. Porém, sei que estou no Brasil e não na Alemanha, onde o sistema previdenciário é considerado um dos melhores do mundo.
Todavia, vejo tudo isso com muita cautela, pois aprendi nos bancos da faculdade que a insegurança jurídica que há anos está instalada é como um câncer grave que cresce a cada dia mais, caminhando para uma metástase, a qual deve ser tratada não apenas de forma técnica e com remédios constitucionais, mas com muita fé e uma ajuda divina para a cura.
Farlandes Guimarães é advogado especialista em direito previdenciário.