
Com o número cada vez mais elevado de informação disponível, é preciso um cuidado especial ao ler toda e qualquer notícia que é publicada e compartilhada na internet, pois, na grande maioria dos casos, a fonte não é segura, e repassar uma informação desprovida de credibilidade se torna uma gafe das feias.
Há alguns anos, vejo uma corrente que se espalha por meio de e-mails e de postagens nas redes sociais com a função de banalizar e distorcer a importância social do benefício previdenciário auxílio-reclusão.
Grande parte das pessoas ainda desconhece a real função do auxílio-reclusão e quais são os requisitos exigidos para sua concessão. É comum essas pessoas compartilharem de forma viral a informação de que o benefício é pago a todo e qualquer preso, fazendo com que a população tenha uma imagem errônea desse direito tão importante e responsável pela proteção social dos dependentes do segurado que cometeu um delito.
Não estou aqui defendendo quem cometeu um crime, tampouco tenho pretensão de entrar na discussão da responsabilização penal ou da forma como funciona e como é custeado o nosso caótico e falido sistema prisional.
Sobre o auxílio-reclusão, é lamentável, mas já ouvi pessoas esclarecidas falarem absurdos, como a afirmação de que os presos recebem o benefício previdenciário por terem praticado crime e quem paga a conta é o povo assalariado, que ganha menos que o detento. Tais informações não correspondem à realidade, com o texto normativo, e devem ser combatidas.
O benefício do auxílio-reclusão não foi criação do atual governo ou do governo anterior. Historicamente, esse benefício previdenciário foi instituído em nosso ordenamento jurídico pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos pelo Decreto nº 22.872, do ano de 1933. À época, os dependentes do segurado preso tinham o direito de receber metade das vantagens pecuniárias que ele auferia trabalhando.
Em 1988, a Constituição Cidadã – em seu artigo 201, inciso IV – trouxe a previsão constitucional desse benefício, o qual teve a sua regulamentação por meio da Lei 8.213/91 (Lei dos Benefícios Previdenciários), sendo que a regra para concessão do auxílio-reclusão está prevista no artigo 80 da referida lei, aplicando-se os mesmos requisitos da concessão da pensão por morte.
O sistema previdenciário brasileiro é protetivo e funciona como um seguro social. Porém, vale destacar que somente quem contribuiu terá direito às prestações previstas pela legislação, como no caso do auxílio-reclusão.
Partindo-se dessa premissa, deve ser afastada a possibilidade teratológica do senso comum de que o beneplácito em tela é concedido a todos os presos. Isso é um absurdo! Ademais, o criminoso nato, aquele que vive exclusivamente da prática delitiva, na grande maioria dos casos não realiza contribuições previdenciárias como contribuinte individual nem trabalha de carteira assinada.
Com a edição da polêmica Medida Provisória nº 664/2014, que está produzindo efeitos nefastos, o auxílio-reclusão é devido ao cônjuge desde que comprovado o tempo de, no mínimo, 2 (dois) anos de casamento ou de união estável anteriores à prisão/reclusão, exceto quando o cônjuge for considerado inválido pela perícia médica (invalidez esta ocorrida após o casamento/união estável e antes do óbito/reclusão do instituidor).
De acordo com a legislação vigente, para gerar o direito ao auxílio-reclusão, também deve haver a comprovação, por parte dos dependentes do preso, que este contribuiu por no mínimo por 24 (vinte e quatro) meses para a previdência social sem ter perdido a qualidade de segurado.
No ano de 1998, a Emenda Constitucional nº 20 inseriu o requisito “baixa renda” para a concessão do auxílio-reclusão, restringindo o acesso ao benefício apenas aos dependentes do segurado de baixa renda. Cabe ressaltar que a renda do segurado preso é que deve ser utilizada como parâmetro para concessão do benefício e não a de seus dependentes.
Também no aspecto renda, atualmente, o INSS exige, para a obtenção do referido benefício, a comprovação de que o último salário de contribuição do segurado preso foi igual ou menor a R$ 1.089,72 (um mil, oitenta e nove reais e setenta e dois centavos), conforme prevê a Portaria Ministerial nº 13, de 9 de janeiro de 2015, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas.
Em decisão recente numa Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública da União, o TRF da 4ª Região entendeu que, estando no período de graça, os beneficiários de segurado que estiver desempregado ou sem remuneração têm direito ao auxílio-reclusão, mesmo que o último salário de contribuição tenha sido superior ao limite estabelecido pelas portarias ministeriais que regulamentam o art. 13 da EC nº 20/98.
Para grande parte das famílias, o rendimento auferido pelo segurado que está preso é a única fonte de renda, e o benefício tem um caráter alimentar e de plena subsistência.
Portanto, a pena imposta na esfera penal não pode exceder da pessoa do condenado e atingir a família (artigo 5º, inciso XLV da CF), sem falar que o princípio que vigora na previdência e na Constituição Federal é o da solidariedade e não a Lei de Talião dos tempos da civilização babilônica, na qual vigorava a máxima “olho por olho, dente por dente”.
Farlandes Guimarães é advogado previdenciarista e sócio do escritório Rodrigues & Guimarães
Texto publicado na edição do dia 03/06/2015 do jornal Agora de Divinópolis/MG.